segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Crônicas da vida

Encontrei essa crônica e achei tão bonita. No começo achei até que fosse Clarice Lispector, mas não é. Talvez seja apenas o texto de alguém realmente anônimo. O que importa?

Crônicas da Vida
 Autor: desconhecido

Um pensamento não saia da sua cabeça durante todo o dia. Mesmo olhando para a bela paisagem ou para os filhos brincando logo ali, o pensamento não ia embora. Ela tentava, e como tentava, pensar nas coisas importantes da vida, mas o pensamento estava lá. Quando algo externo chamava sua atenção, ela se dispersava um pouco, mas sabia que o pensamento ainda estava lá, guardado em algum compartimento especial do cérebro. Talvez porque não fosse um pensamento, mas sim lembranças... e as lembranças quanto mais antigas, mais interessantes se tornam.

Cor azul... a cor azul fazia com que as lembranças ficassem mais vívidas. E a cor azul está por toda a parte. Ela já havia percorrido esse raciocínio diversas vezes: reviver todos os momentos para entender o porquê daqueles pensamentos, mas sempre vinha a mesma resposta: um amor não resolvido. Mas não resolvido para quem? Esse talvez fosse o grande problema. Muitas vezes pareceu que tudo tinha se resolvido, mas sempre para um dos lados. Duas pessoas que se encontraram num momento e tiveram a mais forte experiência de suas vidas. Experiência não unicamente boa, é claro. O que marca a vida das pessoas sempre mistura os sentimentos: amor, ódio, compaixão, raiva, dor, abandono, reencontro. Tudo sempre ao mesmo tempo. Tempo! Foi um tempo tão curto e já faz tanto tempo que cada um foi para seu próprio mundo. No entanto, não houve um único dia que ela não tivesse aquele pensamento ou uma pequena lembrança. E isso que mais incomodava. Sua aparência revela uma pessoa completa: vida, trabalho, casamento, filhos e dinheiro. O que mais alguém poderia querer?

Querer... será que ela queria realmente tudo isso? A sua única certeza era que eles viveram os últimos 20 anos como se estivessem numa grande gangorra. Cada um no seu ponto extremo. Houve momentos de reencontro físico, mas quando um tinha a disponibilidade para resolver os pontos pendentes o outro estava em outro extremo, não dando a importância para o encontro. E isso aconteceu com os dois lados. O engraçado é que ela tinha sido muitas vezes a culpada por escapar desses embates, deixando tudo para depois. E assim a vida foi andando. A noite, quando a casa ficava quieta, é que os pensamentos vinham com mais intensidade e depois eles viravam sonhos. Nesses sonhos ele estava sempre quieto, mudo, como um boneco de cera. O azul presente, apenas o azul a deixava menos inquieta. Mas o silêncio, a falta de interação, o sentimento ficando mais forte, o medo de abandonar tudo para ficar com aquela ilusão. E então o sonho virava um grande pesadelo. Acordava cansada, confusa, buscando o equilíbrio do seu lar, do seu marido e dos seus filhos. Nesses momentos, tinha um grande alívio porque sabia que fizera as escolhas certas. Mas mesmo assim o pensamento não ia embora. E nesse dia tão lindo de céu e mar azul, tudo fazia com que os pensamentos brotassem sem trégua.

Os sonhos daquela noite tinham sido mais fortes, porque no final havia acontecido um beijo e isso significava que, mesmo de forma irreal, eles haviam se encontrado no centro da gangorra. Tinha sido tão bom, mas tão perturbador. Se fosse real, o beijo significaria jogar fora tudo que fora construído durante os últimos 20 anos. E isso seria bom? Não... o melhor era manter as lembranças e os pensamentos, mas sem soluções reais. A vida real envolvia a felicidade de pessoas realmente importantes para ela e que não poderiam ser descartadas assim. Bom... então estava tudo resolvido, certo? Não, não estava. Os pensamentos ainda estavam lá, trazendo as lembranças a tona. Até quando?